Biografia de Laura Nyro - Primeira Fase (1966-1971)

1.1 - O início (1947)

Taft High School
Laura Nyro nasceu em 18 de Outubro de 1947, no bairro do Bronx, em Nova Iorque, mais precisamente, esquina com Taft High School. Descendente de famílias judia e italiana, se interessou por música desde jovem, ouvindo seu pai, Louis Nigro, tocar trompete em casa, ou em sua banda de jazz. Ela passou vários verões com seu pai em hotéis, quando este estava em turnê com sua banda. Sua mãe, Gilda Nigro, trabalhou com escrituração mercantil na “American Psychoanalytic Association”, e deu a ela uma educação cultural vasta, com direito a freqüentes visitas aos museus ou casas de show da cidade.

Laura compôs suas primeiras músicas já aos 8 anos de idade, quando ainda não tinha tido uma educação musical formal, e quase que “socava” as teclas do piano Steinway de sua família. “Eu podia sair cantando, quando era adolescente, tanto numa festa quando na rua, porque aquelas harmonias (que ouvia) são, e eram na época, uma das jóias da minha juventude”, diz Laura. Com doze anos de idade, praticamente dormia com o teclado.

Nesses tempos de adolescente, enquanto estudava na Manhattan's Music and Art e tocava em clubes da cidade, descobriu não só as drogas psicodélicas, mas as grandes cantoras dos anos 50 e 60, e também artistas como Nina Simone, Miles Davis, John Coltrane, Curtis Mayfield, Dusty Springfield, Burt Bacharach-Hal David, Dionne Warwick, e outros. Em casa, lia muita poesia e ouvia também compositores clássicos como Ravel, Debussy e Persicetti.

Bob Dylan, Joan Baez & Pete Seeger
Mais tarde, se deslumbrou com Pete Seeger e suas músicas de protesto, além da geração folk que mais tarde estouraria em todo o mundo, como Joan Baez e Bob Dylan. E como a maior parte do planeta naquela época, também curtiu a beatlemania. Outro cantor que Nyro admirava era Van Morrison. “Eu sempre me interessei pela consciência social presente em certas canções. Minha mãe e meu pai eram pensadores progressistas, então eu me sinto confortável sobre os movimentos pela paz ou pelas mulheres, e isso influenciou a minha música”.

Aos dezesseis anos, Laura cantava canções de doo-wop nas estações de metrô da cidade, e passava horas deitada em sua cama ouvindo Mary Wells e The Ronettes. Aos dezessete anos, deu seu primeiro passo na carreira musical: pela primeira vez, vendeu uma composição sua, chamada And When I Die, para o grupo Peter, Paul and Mary, e a canção se converteu em um sucesso instantâneo.


1.2 - Entre erros e acertos

Com apenas 18 anos, Laura Nyro lança seu primeiro disco More Than a New Discovery (1966), pelo selo Verve/Folkways. Mais tarde, esse disco foi relançado com o nome de Laura Nyro (1969) e por fim, The First Songs (1973). O disco foi um fracasso de vendas, e só conseguiu entrar nos charts da Billboard em seu terceiro relançamento (The First Songs), alcançando o #97o lugar.

Apesar das baixas vendas, o álbum debut da cantora teve regravações que fizeram sucesso na voz de artistas consagrados: Wedding Bell Blues e Blowin' Away, gravadas pelo grupo The Fifth Dimension; Stoney End, por Barbra Streisend, e And When I Die, pelo grupo Blood, Sweat & Tears. A postura de Laura em relação as músicas era irredutível, pois para ela eram obras irretocáveis, como comenta seu pai, Louis Nigro: “Ela nunca procurava mudar uma única nota ou uma única palavra em suas canções. Há muito tempo, um arranjador disse a ela que suas criações eram impossíveis de serem musicalizadas, e ela chorou”.

E foi justamente essa musicalidade inusitada que impressionou a crítica, pois era impossível não notar, a uma audição de More Than a New Discovery, o tremendo potencial musical de Laura Nyro. Quer seja pelo alcance de três oitavas de sua voz, ou por sua música de difícil categorização, que como disse Deborah Sontag em seu artigo Pop/Jazz; An Enigma Wrapped in Songs, era “tão comercial quanto experimental; 'jazzy' e 'bluesy', com um toque de soul e doo-wop”.

1.3 - O fiasco de Monterey (1967)

Logo após esse lançamento, Laura promove sua segunda aparição publica da carreira em um mega festival, o Monterey Pop Festival, em junho de 1967. Nesse evento, que seminou o que mais tarde se tornaria o Woodstock e o Isle of Wight Festival, muitos artistas tiveram suas carreiras catapultadas, como The Who, Janis Joplin e Jimi Hendrix.

Mas o que poderia ser o impulso fundamental para a carreira da jovem cantora (tinha apenas 19 anos à época) se transformou em um desastre. Talvez por ser o primeiro dos grandes festivais, ou por ter acontecido numa época de rígidos padrões musicais estabelecidos (a mistura de gêneros eclodiria meses depois, com o lançamento de Sgt.Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, e sua salada sonora de rock, vaudeville, psicodelia, música indiana, etc.), o público parecia intolerante com tudo que não correspondesse ao rock e suas variantes básicas, e que infelizmente era o caso de Laura.

No artigo já citado de Deborah Sontag, ela comenta o episódio. “Uma filmagem do concerto feita pelo cineasta D.A.Pennebaker mostra uma hipnotizante performance de Nyro, que exibia uma ocasional evidência através de sua opaca banda de apoio. Quando ela terminou a apresentação, e um meio sorriso escancarava seu desapontamento, a multidão aplaudiu, e um único homem somente chorava: 'maravilhoso'! Isso soou quase como um 'boo'”.

Na noite de 17 de junho de 67, o show da cantora foi considerado um “fiasco”, por alguns jornais. Alguns presentes afirmam que ela teria sido vaiada pela platéia, que não estava disposta a digerir e entender sua proposta musical. Dizem também que ela teria abandonado o palco aos prantos, fato também não confirmado.

Enfim, a história é controversa, mas caso seja verdadeira, explica um pouco da aversão de Laura por apresentações ao vivo e pelos louros da fama. Contudo, o aparente desastre do festival não foi assim tão improdutivo quanto pareceu...

1.4 - A vida continua (1968)

Na platéia do festival de Monterey estava o empresário David Geffen, que, ignorando as vaias, se impressionou com o set de Laura. Ele a convidou para uma audição para Clive Davis, presidente da Columbia Records, no Bervelly Hills Hotel. Foi assinado um contrato de 4 milhões de dólares, e ambas as carreiras, de Geffen e Nyro, tiveram seu primeiro e grandioso impulso.

Em 1968, Laura lança, pela Columbia Records, Eli and the Thirteenth Confession. O album ganhou a admiração de grande parte da crítica. Jon Landau, da revista Rolling Stone, disse que o disco era “um trabalho de um original e brilhante jovem talento”. As letras revelavam uma inesperada maturidade da jovem garota: em Eli's Comin, seu amante é um anjo vingador, e em The Confession, ouve a voz de um falecido pai falando de dentro da sepultura (!). Ainda assim, ele repetiu o saldo do disco anterior: amargou aposição 181 da Billboard, e só rendeu sucessos com regravações: Stoned Soul Picnic e Sweet Blindness com The Fifth Dimension e Eli's Comin' com Three Dog Night.

Nessa época, Laura vivia em um apartamento de cobertura próximo ao Central Park, e encomendou para si um piano que foi tocado por astros da música americana como Bette Midler e Neil Sedaka.

No verão de 1969, Laura lança o belíssimo New York Tendaberry, um álbum melancólico e climático, considerado sua obra prima pela maior parte dos críticos. O disco oscila entre momentos singelos e atormentados, e a voz e piano de Nyro são completadas esporadicamente pela banda de apoio. Muitos momentos de silêncio entrecortam as canções, entre vocalizações ora sussurradas, ora intensas.

Jerry McCulley disse sobre o disco: “Uma madura e muito profunda ode a sua cidade natal, Nova Iorque, a obra de Nyro captura a alma multicultural da cidade. Ela desfia emocionalmente seu canto tão extremamente bem, que fica difícil acreditar que uma garota de 22 anos, filha de um músico de jazz que mal sabia ler uma nota, possa ter composto isso.”

Em um texto chamado “This is the Fag City” (algo como “essa é uma cidade enfadonha, penosa”), Billy Cheer comenta sobre a grandiosidade de New York Tendaberry: “(...) É como se alguém cortasse fora as luzes, e algo em você estivesse pronto para navegar, enquanto uma outra parte de você não poderia. É algo tão difícil, isso é o som de alguém simbolizando pra fora de si como se sente, e então modificando sua forma de pensar”.

Ainda nesse disco, está uma das músicas mais populares de Nyro, Save the Country. No You Tube, é possível assistir um registro em vídeo (um dos raros disponíveis) de Laura cantando esse hino ao piano, de forma visceral e no auge de sua beleza. Em alguns versos de Save the Country, como “I got fury in my soul...”, Laura canta sobre seus demônios internos, e se afasta dos momentos serenos e calorosos que iriam se tornar sua marca registrada mais tarde.

Essa época marca o rompimento do vínculo entre Laura e David Geffen, e enquanto esse formou sua gravadora Asylum Records, Laura permaneceu gravando com a Columbia Records. Desde então, a cantora teve problemas com todos os empresários que tentaram assessora-la, como conta Maria Desiderio: “Ela tinha muita dificuldade com empresários, que tentaram transforma-la em algo que ela não era. Ela não era uma cantora de aluguel”, conta (mais tarde, Nyro cantaria sobre isso na música Money: “Money, money, money/ I feel like a pawn” “dinheiro, dinheiro, dinheiro/ Eu me sinto como um fantoche”).

A pressão pela qual Laura passava provavelmente foi o estopim para que a cantora tivesse um envolvimento com drogas, algo constatado por várias letras suas desse período. Alguns fãs especulam que isso teria sido um provável motivo para que, mais tarde, ela pensasse em abandonar a carreira musical. Ela confessou ter experimentado cocaína e LSD, mas se manteve longe da heroína.

Em 1970, ela lança Christmas and the Beads of Sweat. É um disco bem mais acessível que New York Tendaberry, com canções belíssimas. Nyro resgata canções de artistas da soul music, como Barry Beckett, Roger Hawkins e Eddie Hinton. Vale ressaltar que o disco contou com a participação especialíssima de Duane Allman, guitarrista dos Allman Brothers.

Faixas como Upstairs By a Chinese Lamp, por exemplo, revelam uma certa admiração que Laura provavelmente tinha com culturas orientais (posteriormente, esse aspecto apareceria no fim da faixa “Smile”, de 1976, que soa como uma música japonesa, e em uma canção da década de 80, chamada “Japanese Restaurant Song”). Já em Map to the Treasure, Laura resgata a sonoridade que caracterizou New York Tendaberry, e nos mais de 8 minutos da canção, mostra uma impressionante técnica no piano. E em Been on a Train, a cantora relata o que seria uma confissão de um viciado em heroína.

Nessa época, Laura namorou o cantor e compositor Jackson Browne, e a relação acabaria no fim de 1971. Em outubro desse mesmo ano, Laura conhece David Bianchini, um carpinteiro italiano e ex-combatente da guerra do Vietnã, com quem se casará pouco depois.

Um ano depois, ela grava outro magnífico álbum, Gonna Take a Miracle, ao lado da cantora Patti LaBelle, e produzido por Gamble & Huff. Neste disco, não há canções de autoria de Laura (exceto a faixa Desiree), somente regravações, que ela descreve como “canções adolescentes do coração (“teenage heartbeat songs”). A abertura somente nos vocais de Nyro e do grupo LaBelle (Patti LaBelle, Nona Hendryx e Sarah Dash), seguida por The Bells, é algo arrepiante!

Destacam também os tributos a gravadora Montown (Jimmy Mack, Nowhere to Run) ao doo woop (além de The Bells, Spanish Harlem) e aos grupos vocais femininos (I Met Him on a Sunday). Musicalmente, é o trabalho da cantora que mais se volta para suas influências de soul e R&B, elementos realçados pelos vocais de LaBelle.

É Patti quem descreve o primeiro encontro entre as duas em 1970, um ano antes da gravação do disco: “Isso foi totalmente profético!” Laura passou várias semanas na casa de LaBelle, na Philadelphia, onde regadas a vinho e muita música, decidiram gravar um disco juntas.

1.5 - Pausa para a família (1971/76)

Logo após essa sequência de grandes discos (a partir dessa época, longos hiatos entre um disco e outro serão freqüentes na maior parte da carreira de Laura), ela se casa com David Bianchini, e anuncia seu retiro do mercado musical, aos 24 anos. Se dizia insatisfeita e pouco a vontade com a vida de celebridade, preferindo se dedicar integralmente ao casamento, e se mudando para uma pequena comunidade em New England.

Joni Mitchell & Graham Nash
A precoce retirada de Nyro da indústria musical pode ter sido um grande fator para seu obscurantismo. Ela interrompeu sua carreira em um momento crucial para se estabelecer, apesar de já ter lançado excelentes discos. Nessa mesma época, Joni Mitchell recusou o pedido de casamento de Graham Nash, por medo de ter que se tornar uma dona de casa e uma cantora frustrada, tal qual aconteceu com sua avó. Mitchell lavou publicamente as mágoas e a roupa suja no álbum Blue, que é considerado sua obra prima, e que a estabeleceu como um dos baluartes do folk de sua geração.

Em um artigo sobre Laura, Sean Elder compara às semelhanças e diferenças entre Nyro e Mitchell: “Com sua aparência sóbria, Nyro nunca efetivamente vingou. Ela é como uma resposta da Costa Leste a Joni Mitchell, porém mais obscura e muito mediterrânea ('Rickie Lee Jones mais tarde combinaria o estilo de ambas'), com um 'velho testamento' cantado em uma voz suave que nunca soou bem para muitos dos hippies”.

Nesse tempo de parada, seu único lançamento foi em 1973, relançando seu primeiro disco pela Columbia, com o nome The First Songs. “Quando eu trabalhei nessa antologia, e ouvi de novo as músicas”, Laura diz, “pensei 'Oh meu Deus que energia mais impulsiva! Eu não sei se eu posso lidar com isso (risos)'! Mas é engraçado porque logo eu comecei a ir a fundo no projeto, e era muito energizante. Além de ser divertido.”

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